**O Descontento do Povo e a Provisão de Deus**
Era uma manhã abrasadora no deserto do Sinai. O sol escaldante batia sobre as tendas de Israel, erguidas em meio à vastidão árida. O povo, que outrora celebrara sua libertação do Egito com cânticos e danças, agora murmurava com rostos carregados de descontentamento. O maná, aquele pão milagroso que descia do céu todas as manhãs, já não lhes trazia alegria.
— **Ai de nós!** — lamentava-se um homem de barba grisalha, esfregando as mãos em frustração. — **Lembramo-nos dos peixes que comíamos de graça no Egito, dos pepinos, dos melões, dos alhos-porós, das cebolas e dos alhos! Agora, nossa alma se seca; não há nada, senão este maná diante dos nossos olhos!**
As palavras dele ecoavam de tenda em tenda, inflamando o coração de muitos. Mulheres suspiravam, crianças choramingavam, e até os jovens, antes cheios de vigor, agora arrastavam os pés na areia com desânimo. A murmuração crescia como fogo em palha seca, e logo todo o acampamento estava tomado por um clamor de insatisfação.
### **A Angústia de Moisés**
A notícia chegou aos ouvidos de Moisés, que estava à entrada da Tenda da Congregação, onde costumava falar com o Senhor. Seu coração se encheu de tristeza ao ouvir o choro do povo, família após família, lamentando-se diante de suas tendas. O peso da liderança, já tão grande, tornou-se quase insuportável.
— **Por que afligiste teu servo?** — clamou Moisés ao Senhor, prostrado em oração. — **Por que não achaste graça aos teus olhos, que puseste sobre mim o peso de todo este povo? Acaso concebi eu todo este povo? Dei-o à luz, para que me dissesses: ‘Leva-o ao teu colo, como a ama leva a criança de peito, até a terra que prometeste a seus pais’?**
As palavras de Moisés saíam entre lágrimas. Ele já não sabia mais o que fazer. O povo era numeroso demais, e suas exigências, demasiado pesadas.
— **Não posso suportar este povo sozinho! É grande demais para mim! Se me hás de tratar assim, mata-me, peço-te, se achei graça aos teus olhos, para que eu não veja o meu mal!**
### **A Resposta do Senhor**
O Senhor, porém, não abandonou Seu servo. Com bondade e autoridade, respondeu:
— **Reúne-me setenta homens dos anciãos de Israel, que sabes serem líderes do povo e seus oficiais. Traze-os à Tenda da Congregação, para que estejam ali contigo. Então descerei e falarei contigo; tomarei do Espírito que está sobre ti e o porei sobre eles, para que levem contigo o fardo do povo, e não o suportes tu só.**
E quanto ao desejo insaciável do povo por carne, o Senhor declarou:
— **Ao povo dirás: Santificai-vos para amanhã, e comereis carne, pois chorastes aos ouvidos do Senhor, dizendo: ‘Quem nos dará carne a comer? Pois íamos bem no Egito!’ Pois bem, o Senhor vos dará carne, e comereis. Não comereis um dia, nem dois, nem cinco, nem dez, nem vinte dias, mas um mês inteiro, até vos sair pelas narinas, e vos enfastiardes dela, porquanto rejeitastes o Senhor, que está no meio de vós, e chorastes diante dele, dizendo: ‘Por que saímos do Egito?’**
### **A Chegada das Codornizes**
No dia seguinte, um vento forte soprou do mar, trazendo consigo um enxame de codornizes que cobriu o acampamento. As aves caíam exaustas ao redor das tendas, em quantidade tão grande que se estendiam por um dia de caminho em todas as direções. O povo, incrédulo, saiu correndo para recolhê-las. Alguns juntavam montes e mais montes, secando-as ao sol ou assando-as sobre o fogo.
A alegria inicial, porém, logo se transformou em praga. Pois enquanto a carne ainda estava entre seus dentes, antes mesmo de ser devorada, a ira do Senhor se acendeu contra o povo. Uma grande pestilência feriu os israelitas, e muitos morreram naquele lugar, que desde então foi chamado **Quibrote-Hataavá** — *”os túmulos da cobiça”* — porque ali enterraram os que cobiçaram.
### **O Espírito sobre os Setenta Anciãos**
Enquanto isso, Moisés reuniu os setenta anciãos ao redor da Tenda. O Senhor desceu na nuvem e falou com ele, tomando do Espírito que estava sobre Moisés e repartindo-o entre os setenta. No mesmo instante, eles profetizaram, cheios do poder divino. Dois homens, Eldade e Medade, que não haviam ido à Tenda, também receberam o Espírito e profetizavam no acampamento.
Um jovem correu até Moisés, alarmado:
— **Eldade e Medade estão profetizando no acampamento!**
Josué, servo fiel de Moisés, indignou-se:
— **Meu senhor Moisés, proíbe-os!**
Mas Moisés, homem manso e sábio, respondeu:
— **Tens ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu Espírito!**
### **O Legado da Murmuração**
Aquele episódio ficou gravado na memória de Israel como um aviso solene. O povo aprendera, da maneira mais dura, que a ingratidão e a cobiça conduzem à ruína. O maná, que antes desprezavam, tornou-se novamente seu sustento, lembrando-lhes diariamente que **nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor**.
E Moisés, agora auxiliado pelos setenta anciãos, seguiu liderando o povo, confiando não em sua própria força, mas naquele que é fiel para cumprir Sua promessa.